Anita Malfatti



Anita Catarina Malfatti (São Paulo, 2 de dezembro de 1889 — São Paulo, 6 de novembro de 1964) foi uma pintora, desenhista, gravadora e professora brasileira.

Biografia

Filha do engenheiro italiano Samuel Malfatti e de Betty Krug, americana, mas de família alemã, foi a primeira artista brasileira a aderir ao modernismo, tendo sido uma das expositoras da mostra, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, que fazia parte da Semana de Arte Moderna de 1922.

Segunda filha do casal, nasceu com atrofia no braço direito. Aos três anos de idade foi levada pelos pais a Lucca, na Itália, na esperança de corrigir o defeito congênito. Os resultados do tratamento médico não foram animadores e Anita teve que carregar essa deficiência pelo resto da vida. Voltando ao Brasil, teve a sua disposição Miss Browne, uma governanta alemã, que a ajudou no desenvolvimento do uso da mão esquerda e no aprendizado da arte e da escrita.

Iniciou seus estudos em 1897 no Colégio São José de freira católicas, situado à rua da Glória. Aí foi alfabetizada. Posteriormente passa a estudar na Escola Americana e em seguida no Mackenzie College onde, em 1906, recebe o diploma de normalista.

Surge a pintora

Nesse meio tempo falece Samuel Malfatti, esteio moral e financeiro da família. Sem recursos, D.Betty, para sustentar a família, passa a dar aulas particulares de idiomas e também de desenho e pintura. Chegou a submeter-se à orientação do pintor Carlo de Servi para com mais segurança ensinar suas discípulas. Anita acompanhava as aulas e nelas tomava parte. Foi portanto sua própria mãe quem lhe ensinou os rudimentos das artes plásticas.

"Eu tinha 13 anos, e sofria porque não sabia que rumo tomar na vida. Nada ainda me revelara o fundo da minha sensibilidade[...]Resolvi, então, me submeter a uma estranha experiência: sofrer a sensação absorvente da morte. Achava que uma forte emoção, que me aproximasse violentamente do perigo, me daria a decifração definitiva da minha personalidade. E veja o que fiz. Nossa casa ficava próxima da estação da Barra Funda. Um dia saí de casa, amarrei fortemente as minhas tranças de menina, deitei-me debaixo dos dormentes e esperei o trem passar por cima de mim. Foi uma coisa horrível, indescritível. O barulho ensurdecedor, a deslocação de ar, a temperatura asfixiante deram-me uma impressão de delírio e de loucura. E eu via cores, cores e cores riscando o espaço, cores que eu desejaria fixar para sempre na retina assombrada. Foi a revelação: voltei decidida a me dedicar à pintura."Anita Malfatti.

Na Alemanha

Anita pretendia estudar em Paris, mas sem a ajuda do pai, parecia impossível, tendo em vista que sua avó vivia entrevada numa cama e sua mãe passava o dia dando aulas de pintura e de idiomas.

Anita tinha umas amigas, as irmãs Shalders, que iam viajar à Europa para estudar música. Assim surgiu a idéia de acompanha-las à Alemanha e seu tio e padrinho Jorge Krug aceitou financiar a viagem.

Anita e as Shalders chegaram em Berlim em 1910, ano marcante na história da Arte Moderna alemã.

"Os acontecimentos precipitavam-se tão depressa, que eu me lembro de ter vivido como dentro de um sonho. Nada do que acontecia se assemelhava com o que havia acontecido no Brasil."

"Comprei incontinente uma porção de tintas, e a festa começou" Anita Malfatti.

Berlim era então o grande centro musical da Europa. O grupo Die Brucke fazia diversas exposições expressionistas e foi na Alemanha que Anita travou contato com a vanguarda européia.

Acompanhando suas amigas às aulas no centro musical, acabou recebendo a sugestão para estudar no ateliê do artista Fritz Burger.

Fritz Burger era um retratista que dominava a técnica impressionista. Foi o primeiro mestre de Anita. Ao mesmo tempo, prestou os exames para ingressar na Real Academia de Belas Artes.

Durante as férias de verão, Anita e as amigas foram as montanhas de Harz, em Treseburg, região frequentada por pintores. Continuando sua viagem, visitou a 4° Sonderbund, uma exposição que aconteceu em Colônia na Alemanha, na qual conheceu o trabalho de Van Gogh.

Teve aulas também com Lovis Corinth nome bem mais conhecido do que seu primeiro mestre. Corinth, um tipo bem germânico, não tinha a menor paciência com seus alunos. Mas com Anita era diferente. Talvez porque alguns anos antes sofrera um AVC que, como sequela, lhe deixara alguma dificuldade motora.

Anita estava cada vez mais interessada pela pintura expressionista, desejava aprender sua técnica. Em 1913, inicia aulas com o professor Ernest Bischoff Culm.

Com a instabilidade causada pela aproximação da guerra, Anita Malfatti resolve deixar Berlim.

Primeira exposição individual

" Voltando ao Brasil, só me perguntavam pela Mona Lisa, pela glória da Renascença,e eu... nada"

"Minha família e meus amigos, eram de opinião de que eu deveria continuar meus estudos de pintura. Achavam meus quadros muito crus,mas, felizmente, muito fortes, o que prometia para o futuro uma pintura suave, quando a técnica melhorasse" Anita Malfatti.

São Paulo, 1914, Anita tinha 24 anos e, com mais de 4 anos de estudo na Europa, finalmente voltava para o seio familiar. A cidade crescia, mas o ambiente artistico ainda era incipiente, o gosto de arte prodominante ainda era acadêmico. Ao mostrar suas obras - nada acadêmicas - Anita tentava explicar os avanços da arte na Europa, onde os jovens haviam levado às últimas consequencias as conquistas vindas do impressionismo .

Anita ainda continuava firme no desejo de partir mais uma vez em viagem de estudos. Sem condições financeiras, tentou pleitear uma bolsa junto ao Pensionato Artístico do Estado de São Paulo. Por essa razão, montou no dia 23 de maio de 1914, uma exposição com obras de sua autoria, exposição essa que ficou aberta até meados de junho.

O senador Freitas Vale foi visitar a exposição. Dependia dele a concessão da bolsa. Mas o influente político não gostou das obras de Anita, chegando a criticá-las publicamente. Entretanto, independentemente da opinião do senador, a bolsa não seria concedida. Notícias do iminente início da guerra, fizeram com que o Pensionato as cancelasse. Foi aí que, mais uma vez financiada pelo tio, o engenheiro e arquiteto Jorge Krug, Anita embarca para os Estados Unidos.

Nos Estados Unidos

"Aí começa o período maravilhoso de minha vida. Entrei na Independent School of Art de Homer Boss, quase mais filósofo que professor.{...}O maior progresso que fiz na minha vida foi nesta ilha e nesta época de ambientes muito especiais. Eu vivia encantada com a vida e com a pintura."

" Era a poesia plástica da vida, era festa da forma e era a festa da cor"Anita Malfatti.

No início de 1915, Anita Malfatti já se encontrava em Nova York e matriculada na tradicional Art Students League. Nessa escola, Anita ia de um professor a outro, na tentativa de encontrar o caminho que sonhava para seus trabalhos. Após 3 meses de estudos, desistiu de qualquer curso de pintura ou desenho na escola, trazendo em sua pintura a marcas do Expressionismo, dificilmente Anita se "encontraria" nessa Escola, sobre sua experiencia na instituição, escreveria de forma lacônica, mas muito claramente:"Fui aos Estados Unidos, entrei numa academia para continuar meus estudos, e que desilusão! O professor foi ficando com raiva de mim, e eu dele, até que um dia, a luz brilhou de novo. Uma colega me contou na surdina que havia um professor moderno,um grande filósofo, incompreendido e que deixava os alunos pintarem à vontade. Na mesma tarde procuramos e professor, claro" O tal professor, era Homer Boss, artista hoje quase esquecido pelos estudiosos de arte norte-americana.

No verão, Homer Boss levou os aluno para pintar na costa do Maine . Esse estado litorâneo mais ao nordeste, fronteira com o Canadá, tornara-se há muito, o refúgio dos artistas. Passado o verão, Anita se matriculou na Independent School of Art. Em meados de 1916, preparava-se para voltar ao Brasil.

De volta ao Brasil

Em 1916, Anita se encontrava de novo em casa, no aconchego familiar... "Eram caixões de obras de arte, desenhosm gravuras e quadros de todos os tamanhos.Minha família e meus amigos estavam curiosos para ver meus trabalhos.Mas que efeito!"Anita Malfatti.

Nada daquilo que Anita trazia dos Estados Unidos, se assemelhava à " pintura suave", nada daquilo esperado e imaginado por seus amigos e parentes. Sua força masculina que causara estranhesa na sua primeira individual em 1914 atigira o ponto máximo de seu exageros.Anita inconscientemente, "rompera" com as regras táticas da pintura acadêmia tão acalentada por seus parentes. A surpresa e a incompreensão, foram inevitáveis.As oubras que a pintora trouxe dos Estados Unidos, deixaram em sua familia uma sensação tão grotestca, que o mal estar, durou por anos, é fato que o assunto, tornou-se "tabu" entre os membros da familia, Anita diria depois lacônicamente:"Quando viram minhas telas, todos acharam-nas feias, dantescas, e todos ficaram tristes, não eram os santinhos dos colégios.Guardei as telas."

Depois, seria mais específica, dizendo:"Ficaram desapontados e tristes. Meu tio,Dr. Jorge Krug, que tanto interesse teve na minha educação,ficou muito aborrecido. Disse ele:'Isto não é pintura, são coisas dantescas'" A expressão " coisas dantescas", ficaria para sempre gravada na mente e no coração de Anita. A incompreensão foi geral. Anita, lolgo se deu conta, do quanto suas telas, que traduziam sua alma, estavam distantes das do ambiente acadêmico que a rodeava. No mesmo depoimento de 1951, a pintora lembraria:"Então, pela primeira vez em minha vida, comecei a entristecer-me pois estava certa de que me trabalho era bom; tanto os modernos franceses como os americanos haviam dito espontaneamente, desinteressadamente. Só desejei esconder meus quadros, já que, para me consolar, ou outros acharam que eu podia pintar como quisesse. Eles estavam desconsolados, porque me queriam bem. Entretanto eu sabia que aquela crítica não tinha fundamento, especialmente porque estava dentro de um regime completamente emocional. Eu nunca havia imitado a ninguém; só esperava com alegria que surgisse, dentro da forma e da cor aparente a mudança; eu pintava num diapasão diferente, e era essa música da cor, que me confortava e enriquecia minha vida." Anita Malfatti.

A exposição de 1917

Aos 28 anos, Anita Malfatti abria em São Paulo sua segunda individual e o catálogo de obras ia até 53 peças de sua lavra. As reações à exposição foram as mais diversas possíveis. Em 14 de dezembro o Correio Paulistano, num trecho, comentava: "A exposição da senhorita Malfatti, toda ela de pintura moderna, apresenta um aspecto original e bizarro, desde a disposição dos quadros aos motivos tratados em cada um deles. De uma rápida visita ao catálogo, o visitante há de inteirar-se logo do artista que vai observar. Tropical e Sinfonia colorida, são nomes que qualquer pintor daria até a uma paisagem, menos a uma figura, como tão bem fez a visão impressionista de sua autora. Essencialmente moderna, a arte da senhorita Malfatti, se distancia consideravelmente dos métodos clássicos. A figura ressalta, do fundo do quadro, como se nos apresentasse, em cada traço, quase violento, uma aresta do caráter do retratado. A paisagem é larga, iluminada, quase sempre tocada de uma luz crua, meridiana, que põe em relevo as paredes alvas, num embaralhamento de vilas sertanejas, onde a minudência se afasta para a mais forte impressão do conjunto."

Os acontecimentos a partir da primeira semana se deram de forma tão rapida e surpresa, que Anita só se atreveria a narra-los 34 anos depois:"A pricípio foram os meus quadros muito bem aceitos, e vendi, nos primeiros dias, oito quadros. Em geral depois da primeira surpresa, acharam minha pintura perfeitamente normal. Qual não foi a minha surpresa quando apareceu o artigo crítico de Monteiro Lobato."Anita Malfatti.

"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura... Se Anita retrata uma senhora com cabelos geometricamente verdes e amarelos, ela se deixou influenciar pela extravagância de Picasso e companhia- a tal chamada arte moderna..". Após o artigo de Lobato, as telas vendidas foram devolvidas, algumas quase foram destuidas a bengaladas, o artigo gerou uma verdadeira catilinária de trechos em jornais, contra Anita. A primeira voz que se levantou em defesa de Anita, foi a de Oswald de Andrade. Num artigo de jornal, ele elogiou o talento de Anita e parabenizou pelo simples fato de ela não ter feito cópias. Pouco depois, jovens artistas e escritores, possuidos pelo desejo de mudaça que as obras de anita suscitaram, uniam-se a ela, como: Mário e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida. Na tentativa de ser aceita como artista em sua cidade, Anita inicia estudos com o pintor acadêmico Pedro Alexandrino, em busca de d uma reestruturação. O artigo inflamado de Monteiro Lobato contra Anita, deixaria marcas profundas, na vida e na obra da artista.

A Semana de Arte Moderna de 1922

Após a enorme confusão causada pelo artigo de Lobato, a vida de Anita Malfatti começou a ter certa normalidade, o tempo que se seguiu após a exposição, foi de assimilação do novo, da percepção daquilo que até então não fora nem sonhado.

"Parece absurdo, mas aqueles quadros foram a revelação. E ilhados na enchente que tomara conta da cidade,nós, três ou quatro, delirávamos de êxtase diante de obras que se chamavam O homem amarelo, A mulher de cabelos verdes."

"Assisti bem de perto essa luta sagrada e palavra que considero a vida artística de Anita Malfatti um desses dramas pesados que o isolamento dos indivíduos apaga para sempre feito segredo mortal.O povo passa, povo olha o quadroe tudo neste mostra vontade e calma bem definidas.O povo segue seu caminho depois de ter aplaudido a obra boa sem saber que poder de miserinhas cotidianas maiores que o Pão de Açúcar aquela artista bebeu diariamente com o café da manhã" Mário de Andrade.Após o périodo de recesso, a semana de arte moderna, mais uma vez, movimentou a vida artisca insipida de São paulo. Anita participou dela, com 22 trabalhos.

"Recordo-me que no dia da inauguração, o velho conselheiro Antônio Prado, com grande espanto da comitiva,quis comprar meu quadro O homem amarelo, porém, Mário de Andrade acabava de adiquiri-lo. A plantinha havia vingado"

" Foi a noitada das surpresas.O povo estava muito inquieto, mas não houve vaias.O teatro completamente cheio.Os ânimos estavam fermentando;o ambiente eletrizante,pois que não sabiam como nos enfrentar.Era o prenúncio da tempestade que arrebentaria na segunda noitada"

Anita estava feliz entre o círculo modernista, uma vez que eles vinham de encontro à suas aspirações artisticas, entraria também para comentando grupo dos cinco.

A Europa nos loucos anos 20

" Mário de Andrade lia uma conferência.Ao terminar a leitura,Dr. Freitas valle num grande gesto levantou-se de seu trono e encaminhou-se para mim,o que me assustou de tak maneira que perdi controle...Ele realemente chegou-se para junto de mim e disse mesmo de verdade que eu poderia embarcar para a Europa em viagem de estudos...- qualquer coisa me coisa me aconteceu, não sei se voei pelo telhado ou se afundei no chão...então surgiu uma dama, eu não a conhecia, que me reconfortou e rindo-se muito da minha confusão, afirmava ser aquilo verdade... Era Dona Olívia..."Dessa forma, Anita embarcava mais uma vez, em viagem de estudos para a Europa, ou melhor dizendo,para Paris, seriam 5 anos de estudo pela bolsa do pensionato, esse seria o ultimo e o mais longo perido de Anita fora do Brasil. Anita embarcou em agosto de 1923, pelo vapor MOSELLA, rumo a Paris. Aquela jovem baixa, com o lenço displicentemente esquecido sobre a mão direita, tinha então 33 anos. Mário de Andrade que não conseguiu chegar a tempo da partida de Anita, enviara para Anita o seguinte telegrama:

" Querida amiga choro de raiva automóvel maldito escrevo hoje contando minha saudade e desespero perdoa mil beijos nas tuas mãos divinas boa viagem felicidades. Mário. São Paulo-21-8-1923.".A guerra que perdurara por anos, pôs um ponto final aos hábitos e costumes da belle époque, foi falata também para o academismo, seus antigos espaços eram agora ocupados pela arte moderna, que com grande vitória e sucesso se espalhara por todos os cantos, e continuava em expansão acelerada, nos salões, galerias e coleções.Há muito tempo, Paris atraia os artistas brasileiros- que eram e continuaram acadêmicos- agora, nesse 1923, os modernismo brasileiro estava em Paris, atualizando-se.

E Anita estava lá, na tentativa incansável de se encontar, apesar das muitas dúvidas que ainda tinha em relação a que caminho seguir na sua arte, Anita não deixou de trabalhar, de produzir.Logo no início do estágio francês, Anita parece ter se " aconselhado" com o pintor Maurice Denis, posivelmente atraída pelos aspectos da pintura religiosa.Nesse ultimo estágio,uma das características mais fortes de Anita, era a busca por uma postura menos polêmica na arte, se for comparar com a época norte-americana, a impressão que se tem, é de que ela procurava por uma espécie de classicismo moderno.Na Escola de Paris ,no pós-guerra, muitos pintores das mais diversas origens, passvam pela experiência da releitura da arte de séculos passados, como Picasso, por exemplo.Nessa fase, que pode-se dizer," Um aprender de novo", Anita testou várias possibilidades, e frequentemente produzia obras interessantes.Estudou muito, aprendeu muito, mas perdeu um pouco, um pouco da sua audácia, com aquela urgência constante de " se contar " á tela, agora se continha, obedecendo as ordens formais da pintura.Nesses cinco anos, a crítica francesa notaria o trabalho da pioneira, algumas telas como Interior de Mônaco", A dama de azul Interior de igreja e A nulher do Pará , seriam as obras mais destacas pela crítica internacional nesses anos de estudo, e apresentação.A c´ritica francesa seria unânime também nos elogios feitos aos desenhos : "Seja: mas os desenhos?Sua personalidade única torna impossível toda tentativa de apadrinhamento,mesmo suntuoso.[...]Quanto aos desenhos de nus, de uma fatura tão pessoal, tão nítida, poucos artistas de escola moderna podem apresentá-los tão notáveis.A crítica foi unânime a este respeito".

As telas interiores-exteriores, ocupados por uma figura feminina, e as exteriores-interiores, também com figuras femininas, seriam a produção mais válida e permanente de Anita do estágio francês, com suas " mulheres" solitárias, reclinadas ao balcão,assim,Anita Malfatti entremostrava sua solidão.

Obras
Brasil 1928

No final de setembro de 1928, Anita já se encontrava no Brasil.

"A ilustre artista mudou muito a arte dela[...]Também[...] vem encontrar os companheiros antigos bastante modificados e reforçados.Terá agora mais facilidade em ser compreendida e estimada no seu valor." Mário de Andrade.

O ambiente artístico, encontrado por Anita na volta, era bem diferente do que deixara em 1923, o grupo inicial evoluíra muito, surgiam novos adeptos e novos movimentos. O número de artistas pláticos também crescera. Na chegada, Mário de Andrade- que não nos esqueçamos era o maior e melhor amigo de Anita- noticiou imediatamente sua chegada, relembrando quem era ela:

"O nome de Anita Malfatti já está definitivamente ligado à história das artes brasileiras pelo papel que a pintora representou no início do movimento renovador comtemporâneo. Dotada duma inteligência cultivada e duma sensibilidade vasta, ela foi a primeira entre nós a sentir a precisão de buscar os caminhos mais contemporâneos de expressão artística, de que vivíamos totalmente divorciados, banzando num tradicionalismo acadêmico que já não correspondia mais a nenhuma realidade brasileira nem internacional".

Em 1929 abria em São Paulo, sua 4° individual. Depois de fechar sua exposição, até 1932, Anita dedicou-se ao ensino escolar. Retomou suas aulas na escola Normal Americana e foi trabalhar também na Escola Normal do Mackenzie College. Podemos dividir as fases artísticas de Anita Malfatti em três: a primeira seria quando define sua forma expressionista de pintar, a segunda seria a das dúvidas de que caminho seguir na arte. dos 20,30 e inicio dos anos 40, quando depois da morte de Mário de Andrade e de sua mãe, Dona Betty, seria transformada numa 3° Anita Malfatti, e recolhida na sua chácara em Diadema, iria finalmente, em paz consigo mesma " pintar à vontade" " à seu modo. A individual de 1945, prova essa unidade na pintura de Anita. A artista estava decidida em seu caminho de paz, na sua reclusão.

"É verdade que eu já não pinto o que pintava há 30 anos.Hoje faço pura e simplesmente arte popular brasileira.É preciso não confundir:arte popular com folclore...[...]eu pinto aspectos da vida brasileira, aspectos da vida do povo.Procuro retratar os seus costumes,os seus usos,o seu ambiente.Procuro transportá-los vivos para as minhas telas.Interpretar a alma popular[...]eu não pinto nem folclore,nem faço primitivismo.Faço arte popular brasileira"

Anita morreu, mas deixou vivo seus ideais, que quando realmente importantes, conseguem forças para mudar o rumo da historia.

Não viu e não gostou

Lobato fora, desde o início de sua carreira, um pré-modernista. Irritado com os padrões oficiais de educação e cultura, desvinculou-se das normas padronizadas da literatura, criando um estilo livre, avançado, valorizando a cultura nacional e discutindo temas voltados internamente para os problemas brasileiros.

Ao contrário do que se imagina, Monteiro Lobato sequer foi à exposição de Anita Malfatti. Não viu nada e não gostou do que não viu.

Mas, em artigo virulento, publicado no jornal «O Estado de São Paulo», depois de criticar as extravagâncias de «Picasso & Cia.», o escritor assestou as baterias contra Anita, esperando que as balas ricocheteassem, atingindo seu alvo principal, que eram modernistas, companheiros da pintora.

Foi uma reação inesperada, que espantou até os que conheciam o destempero do escritor, e inexplicável, pois sua editora, havia pouco tempo, publicara um livro do modernista Oswald de Andrade, cuja capa fora desenhada justamente por Anita Malfatti.

Paranóia ou mistificação

Usando como título: «Paranóia ou mistificação – A propósito da exposição Malfatti,», Lobato ataca as «escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos de cultura excessiva... produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência» e, depois, explica o título de sua catilinária:

«Embora se dêm como novos, como precursores de uma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu como paranóia e mistificação.

«De há muito que a estudam os psiquiatras, em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que, nos manicômios, essa arte é sincera, produto lógico dos cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses;

«e fora deles, nas exposições públicas zabumbadas pela imprensa partidária mas não absorvidas pelo público que compra, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo tudo mistificação pura.»

Representações da artista em outras mídias

Na minissérie Um Só Coração (2004), da Rede Globo, Anita Malfatti, foi representada pela atriz Betty Gofman.